sábado, 24 de março de 2007

nicotina


- Achas que há algo de sensual num cigarro?

- Estás a tentar extrair alguma confissão de mim?

- Não. Estou só a fazer conversa. Achas sensual uma rapariga a fumar um cigarro?

- Como tu estás a fazer agora?

- Sim.

- Depende.

- Não te escapes á pergunta, por favor. Depois do dia que tive, fazia-me bem alguma sinceridade.

- Por isso é que fumas o cigarro?

- Hum?

- Por causa do dia que tiveste é que estás a fumar?

- Como assim? Eu sou uma fumadora, tu sabes isso.

- Mas nunca a estas horas, nem aqui. Estás a ver se te despedem?

- Agora que o comecei, não o vou apagar. E não me respondeste.

- Não.

- E estás á espera do quê?

- Já respondi. A minha resposta é não.

- Não achas que um cigarro torna uma rapariga sensual?

- Não por si só.

- Explica-te.

- Não é o cigarro que a torna sensual. É toda a conjunção de atitudes. Uma pessoa não se torna automaticamente atraente por puxar uma ou duas baforadas de fumo e lançá-las para o ar. Nem a fazer anéis de fumo, ou a segurá-lo por entre os dedos. Vocês gostam de pensar que sim, mas é ridículo.

- Então eu sou ridícula?

- Não. Não és.

- Foi o que disseste. Chamaste ridículos aos fumadores, e, por arrasto, chamaste-me ridícula.

- Mas não foi isso que quis dizer. Só disse que não se pode basear todo o acto de sedução no acender de um cigarro. Nada se cria assim do nada. São precisos olhares, suspiros, sorrisos e aqueles acenos com a cabeça, que as mulheres fazem tão bem.

- Mas admites que ajuda?

- Sim, claro, é preciso ter as mãos ocupadas com qualquer coisa. Se não é um cigarro, é uma bebida, uma trança de cabelo, um cordão da camisola, etc. Faz tudo parte do jogo.

______//_______

- Tens namorada, Fernando?

- …Não. Porquê?

- Pareces tão entendido nestes assuntos de “mulheres”. Pensei que conseguisses ler-nos como um livro.

- Acho que, mesmo se o conseguisse, não saberia em que língua está escrito.

- Somos complicadas, hã?

- Talvez. Ou talvez sejam demasiado óbvias. Ás vezes fico indeciso.

- Mau! Primeiro dizes que sou ridícula, agora chamas-me óbvia, o que é o mesmo que dizer que sou banal, e isso não posso suportar!

- Não é de todo dizer que és banal. Estás a levar as coisas para o lado errado outra vez.

- Então?

- As mulheres… confundem-me… Num momento, posso dizer-te exactamente o que vão fazer. De que maneira vão ajeitar o cabelo, como vão pegar no copo, a forma como se sentam, essas coisas… Mas, de repente, quando menos se espera, surpreendem-te e partem-te o coração de uma forma completamente inexplicável… É… engraçado.

- Não me parece nada cómico.

- Mas é, mas é… Há só que saber rir no momento certo. Esperar pela “punchline”, sabes? E aí vês como o mundo parece uma comédia.

- Se tu o dizes…

- Olha, fazes-me um favor?

- Diz.

- Podes ir ali pôr isto a tocar? Tenho estes vinis todos para arrumar e dava-me jeito alguma música para tornar o trabalho mais fácil.

- Claro. E eu ajudo-te.

- Não é preciso. E já passa da tua hora de sair.

- Oh, não há problema. Hoje não tenho nenhum sítio para ir. E não há nada como uma tarefa para esquecermos as preocupações, certo?

- Certo, mas apaga-me esse cigarro, se fazes favor.

- Sim, sim. (espreme-o contra um cinzeiro de vidro) Já agora, que música é esta?

- Eh eh.


segunda-feira, 19 de março de 2007

Teach Me Sweetheart


Música feita por extraterrestres...



The Fiery Furnaces - Quay Cur


The Fiery Furnaces - Straight Street


The Fiery Furnaces - Tropical Iceland

sábado, 10 de março de 2007

instrumentações

Ela disse:

- Hoje preciso de ouvir algo intrumental… mas com aquele sentimento… Sabes do que estou a falar?

- É claro.

- Então, o que tens para mim?

- Além do óbvio?

- Por favor.

- Acho que tenho o ideal. Serve-te?

- Hum… não sei… Preferia algo menos previsível… como aquela banda que me mostraste no outro dia, sabes? Algo feito com paixão, puro gozo. Algo assim.

- Mas sem cantar?

- Sim.

- E existirá tal música?

- Tem de existir. Eu pensei nela. Ouvi-a na minha cabeça.

- E não terá sido imaginação?

- Não. Não sou assim tão criativa.

- E um sonho? Os sonhos vão sempre um passo além da imaginação.

- Também não me parece. Normalmente só sonho com coisas estúpidas e esta canção não é de certeza estúpida.

- E é assim tão importante?

- Não… é estranho… Não é uma canção séria, nem importante…No entanto, para mim é… demasiado importante para ser levada a sério… Compreendes?

- Nem por isso.

- Bem, não sei como explicar melhor. Ajudas-me a encontrá-la, ou não?

- Sim, quanto a isso podes contar comigo. Se não a sonhaste ou imaginaste, então tem de estar aqui. Por onde começamos?

- Tanto faz, acho eu. Tu começa por aquela ponta, que eu começo nesta. E encontramo-nos no meio, que tal?

- Parece-me um plano.

____//____

- Hã…Sofia?

- Sim?

- Queres ouvir a minha teoria sobre a música intrumental?

- (risos) Tens uma teoria? Como é?

- Prometes não te rir?

- Não!

- …Está bem, aqui vai. Existe música que é cantada e música sem voz, certo?

- Duh…

- Sim, bem… mas as pessoas ouvem muito mais da primeira. Porquê?

- É uma questão de comercialização, penso eu.

- Talvez… Mas eu acho que, mais do que isso, as pessoas gostam de ouvir as palavras. É mais familiar para elas, uma música que fale numa linguagem semelhante à sua própria. As pessoas estranham as canções sem palavras porquê? Porque não as entendem. Não entendem o que dizem.

- Nem todas!

- Calma, eu sei. Estou a falar no geral. Maior parte das pessoas não percebem o que lhes estão a dizer artistas que se recusam a falar. Por isso é que maior parte desses artistas tem de… traduzir as suas canções de alguma forma. Torná-las mais acessíveis, mais explícitas. Assim, a minha teoria é esta: as “lyrics” são a música traduzida para pessoas. E isso torna a música instrumental num objecto puro, intocado, e sem explicações…

- Está bem pensado, sim senhor. Gostei!

- A sério?! Fixe! Olha, acho que encontrei aqui qualquer coisa. Anda cá ver. É isto?

- Fuck! É isso mesmo!! Onde estava?!

- Aqui mesmo, escondido lá atrás. É isto, de certeza?

- Sim! Obrigada! (abraça-o)

- Ok. Ok. Vamos lá ouvir, então.

- Vamos, vamos! Onde está o gira-discos?

- Dá cá.

(Fernando levanta-se e desloca-se até ao fundo da sala, onde está um velho gira-discos. Com todo o cuidado, retira a roda negra do envelope de cartão e monta-a no aparelho. Ao pressioná-lo, o botão dá um estalo e a agulha movimenta-se automaticamente e cai sobre o disco.)

quarta-feira, 7 de março de 2007

Raios Catódicos


50 anos de televisão em Portugal. Mas ainda há aqueles de nós que preferem um bom livro.

Tudo o que vi a RTP fazer o dia inteiro foi vangloriar-se e dar graxa ao ego. Pela maneira como falavam, a RTP era o Deus da televisão em Portugal, que nunca tinha colocado no ar nada de mau ou de fraca qualidade, as pessoas é que não estavam preparadas ou "tinham mente fechada" por causa do pré-25 de Abril. O único traço de modéstia em toda a estação veio no fim do Telejornal, quando o José Alberto Carvalho fez uma síntese da história da televisão onde trabalha, admitindo tentarem fazer boa televisão, mas estarem propícios a erros, como todos. E foi o único (com excepção dos outros canais) a separar a história da televisão com a da RTP. Claro que assim que acabou o Telejornal, começaram a encher-nos a vista com mais egocentrismo apresentado pelo Jorge Gabriel. Enquanto isso, a TVI faz um especial qualquer só pela concorrência. Parabéns à televisão, sem dúvida!

Por isso, hoje, um post com a televisão como pano de fundo.

Homo Videns



Videodrome



Throw Away Your Television




(Quanto ao último vídeo, sim, eu apercebo-me da ironia de esse concerto ter passado na televisão e ainda lá ter o logótipo.) =D

sexta-feira, 2 de março de 2007

Pompeii


É simultaneamente um documentário sobre os Pink Floyd, na fase mais experimental das suas carreiras, com o psicadelismo ao virar de cada esquina, e é também a mais mística das performances. Um concerto sem público, nas ruínas da antiga cidade de Pompeia, no centro de uma arena romana, com as estátuas e pinturas como os únicos olhos que os seguem. Dezenas de brinquedos para a banda exercitar toda a sua criatividade. Guitarras, pianos, sintetizadores, gongos e um cão. Quatro amigos que se reúnem para uma "jam-session" destinada aos deuses e para despertar o Vesúvio. Incrivelmente bem filmado, fazendo uso de todas as novas técnicas de montagem da época (1972) e de tal modo que não se pode deixar de pensar, em certas cenas, que estamos a ver o 2001, Odisseia no Espaço com banda sonora dos Pink Floyd, o que será escusado dizer, é uma autêntica "trip"...

Pelo meio há entrevistas e filmagens nos estúdios da Abbey Road, a banda a comer ostras enquanto dificulta a vida ao realizador, distorcendo as perguntas, como criancinhas. Há um Roger Waters mais que alucinado, que sorri como se nem estivesse lá. Um baterista que quer comer tarte de maçã, mas - "Sem crosta.".

Enfim, são os bons e velhos Pink, mas novos.


Pink Floyd, Live At Pompeii - Director's Cut (1972)



Saucerful Of Secrets




One Of These Days I'm Going To Cut You Into Little Pieces




Set The Controls For The Heart Of The Sun