nicotina
- Achas que há algo de sensual num cigarro?
- Estás a tentar extrair alguma confissão de mim?
- Não. Estou só a fazer conversa. Achas sensual uma rapariga a fumar um cigarro?
- Como tu estás a fazer agora?
- Sim.
- Depende.
- Não te escapes á pergunta, por favor. Depois do dia que tive, fazia-me bem alguma sinceridade.
- Por isso é que fumas o cigarro?
- Hum?
- Por causa do dia que tiveste é que estás a fumar?
- Como assim? Eu sou uma fumadora, tu sabes isso.
- Mas nunca a estas horas, nem aqui. Estás a ver se te despedem?
- Agora que o comecei, não o vou apagar. E não me respondeste.
- Não.
- E estás á espera do quê?
- Já respondi. A minha resposta é não.
- Não achas que um cigarro torna uma rapariga sensual?
- Não por si só.
- Explica-te.
- Não é o cigarro que a torna sensual. É toda a conjunção de atitudes. Uma pessoa não se torna automaticamente atraente por puxar uma ou duas baforadas de fumo e lançá-las para o ar. Nem a fazer anéis de fumo, ou a segurá-lo por entre os dedos. Vocês gostam de pensar que sim, mas é ridículo.
- Então eu sou ridícula?
- Não. Não és.
- Foi o que disseste. Chamaste ridículos aos fumadores, e, por arrasto, chamaste-me ridícula.
- Mas não foi isso que quis dizer. Só disse que não se pode basear todo o acto de sedução no acender de um cigarro. Nada se cria assim do nada. São precisos olhares, suspiros, sorrisos e aqueles acenos com a cabeça, que as mulheres fazem tão bem.
- Mas admites que ajuda?
- Sim, claro, é preciso ter as mãos ocupadas com qualquer coisa. Se não é um cigarro, é uma bebida, uma trança de cabelo, um cordão da camisola, etc. Faz tudo parte do jogo.
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- Tens namorada, Fernando?
- …Não. Porquê?
- Pareces tão entendido nestes assuntos de “mulheres”. Pensei que conseguisses ler-nos como um livro.
- Acho que, mesmo se o conseguisse, não saberia em que língua está escrito.
- Somos complicadas, hã?
- Talvez. Ou talvez sejam demasiado óbvias. Ás vezes fico indeciso.
- Mau! Primeiro dizes que sou ridícula, agora chamas-me óbvia, o que é o mesmo que dizer que sou banal, e isso não posso suportar!
- Não é de todo dizer que és banal. Estás a levar as coisas para o lado errado outra vez.
- Então?
- As mulheres… confundem-me… Num momento, posso dizer-te exactamente o que vão fazer. De que maneira vão ajeitar o cabelo, como vão pegar no copo, a forma como se sentam, essas coisas… Mas, de repente, quando menos se espera, surpreendem-te e partem-te o coração de uma forma completamente inexplicável… É… engraçado.
- Não me parece nada cómico.
- Mas é, mas é… Há só que saber rir no momento certo. Esperar pela “punchline”, sabes? E aí vês como o mundo parece uma comédia.
- Se tu o dizes…
- Olha, fazes-me um favor?
- Diz.
- Podes ir ali pôr isto a tocar? Tenho estes vinis todos para arrumar e dava-me jeito alguma música para tornar o trabalho mais fácil.
- Claro. E eu ajudo-te.
- Não é preciso. E já passa da tua hora de sair.
- Oh, não há problema. Hoje não tenho nenhum sítio para ir. E não há nada como uma tarefa para esquecermos as preocupações, certo?
- Certo, mas apaga-me esse cigarro, se fazes favor.
- Sim, sim. (espreme-o contra um cinzeiro de vidro) Já agora, que música é esta?
- Eh eh.