sábado, 7 de abril de 2007

Books of Saturday


E se eu me sentasse hoje, em frente da minha máquina de escrever, e imprimisse palavras em papel que significassem algo, para alguém? E se tivesse a habilidade de as ordenar, organizar em frases sentidas sobre assuntos esquecidos? E se pudesse construir parágrafos inteiros sobre uma memória, um sonho, uma alucinação? E se as tivesse? E se a tinta se tornasse um rio, e escorresse das páginas? E a encadernação fosse forte o suficiente para encerrar todos os segredos do mundo nas palavras que escrevi? E a dedicatória citasse grandes e pequenos nomes, de Deuses e poetas, e entre eles estivesse o teu? O título tão simples como pesado de significado? O papel amarelo e perfumado como uma antiguidade? As medidas certas, para caber na tua estante, para não pesar na tua mochila, para o segurares numa só mão. Suficientemente apelativo para o detectares numa prateleira de livraria, no entanto, cuidadosamente abandonado como de único exemplar se tratasse, guardado só para ti, como tu te guardaste para ele. E é só para ti, mais ninguém. Os outros não o compreenderiam como tu o vês, não perceberiam as palavras, porque não falam nessa língua secreta, por sinais, que se discursa entre vocês.

Depois voltas a casa, entras no quarto, certificas-te de que ninguém te incomoda, descalças os sapatos e lanças-te para cima do colchão, de braços debruçados sobre a almofada, e o livro no meio. Abres na primeira página. Lês o título novamente. Viras a folha. Encontras o nome do autor, o número da edição, o local onde foi impresso, e lês tudo. Continuas. O número do primeiro capítulo, o nome, a primeira frase. Já não sabes nada, já deixaste de ser quem eras. És um detective, falta-te dinheiro, tens um problema com a bebida. Viras a página. És um trapezista, um acrobata, forçado a fazer coisas horríveis. Viras a página. És um velho ancião japonês, consegues falar com os gatos. Próxima. És um nova-iorquino, a recuperar de uma doença terrível. És uma brasileira que escreveu uma canção. És um pássaro que não sabe voar. És um poeta, falas com o espelho, para outros poetas. És como o vento, ninguém te vê. És um herói, um vilão, és o terrorista que planta a bomba e o turista que é apanhado na explosão. És alguém que espera alguém numa estação de comboio. Não és ninguém. Viras a página…

És uma pessoa da tua idade, que está no teu quarto e ler o teu livro e usa as tuas roupas. Come o que tu comes e dorme onde tu dormes. Segue-te para onde quer que vás, nem à tua frente, nem atrás. Está exactamente onde precisa de estar, sempre. Não a consegues ver, porque está escondida atrás dos teus olhos. Mas consegues senti-la, não é? Porque agora chegaste à última página do livro… mas já não o consegues fechar.

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